Fantasmas na biblioteca, de Jacques Bonnet
Nós, leitores e colecionadores, somos “reféns” dos livros. É quase como a brincadeira do gato, não somos nós os seus donos e sim ao contrário. Os livros são nossos donos, quando um quer ser lido, ele se exibe, se mostra, às vezes implora por nossa atenção. E quão prazeroso é a sua leitura quando enfim a aceitamos!
Ao menos comigo, quando um livro me chama, quase sempre sua leitura se mostra uma das melhores. Parece que esses livros sem pudores a se exibirem aos leitores são os mais interessantes.
Inúmeras vezes os livros me chamaram. E é importante também que o leitor se permita ser escolhido. Gosto de passar pelas estantes dos sebos, livrarias e bibliotecas sem escolher, apenas caminho olhando as lombadas, até que um volume – e não a capa – estende seus bracinhos e me pede colo. Lembro-me de sair, em minha biblioteca, em busca de um título que me pedisse atenção. Então um se mostrou mais do que os outros e o peguei. Estava adiando sua leitura há muito, então resolvi aceitar o pedido. Era o livro Frankenstein, de Mary Shelley, e hoje é um dos meus favoritos. Uma história que mostra a alma humana no seu pior estado.
Bem, outro dia ganhei de amigo secreto a obra Fantasmas na biblioteca (Des bibliothèques pleines de fantômes, Civilização Brasileira, 160 páginas, 2013), de Jacques Bonnet (1949), e em pouco tempo, encantada, devorei. Fala de livros. O amor pelos livros. E o que mais deseja um leitor viciado?
A obra tem uma linguagem simples e cada parte é como uma conversa com o leitor. O autor que quer passar seu conhecimento e não o exibir. Há capítulo dedicado à organização, por exemplo. E nós, colecionares, sabemos como essa é uma atividade difícil. Como separar? Por gênero? Por autor? Por nacionalidade? Mas cada divisão traz um problema. Essa dúvida é eterna.
A maioria de nós quer o melhor local para nossa seleção. Bonnet mostra, também, a dificuldade de manter uma coleção, afinal, como é uma coleção? Qual seu início e o seu fim quando não é numerada?
É fantástico poder ler uma obra de um conhecedor desse mundo e saber que não estamos sós. E o autor não nos conhece – pelo menos não a mim –, mas pensa como nós! Tem dúvidas e receios, como, por exemplo, emprestar ou não um livro, ou como fazer marcações?
A única forma que eu marco é usando marcadores ou post it, de outra maneira, como usar a orelha, marcar com caneta ou lápis, dobrar a pontinha… ah, que arrepio me dá apenas em pensar nessas opções. Faço marcações em cadernos e papéis avulsos – e nesse caso me identifiquei com Delgado, personagem do livro A casa de papel, de Carlos Maria Dominguez. Empresto livros somente para quem confio. Apesar de que confiar é tão difícil. Outro dia emprestei um e a pessoa marcou todo com lápis. Eu olhei e acenei, fervendo por dentro e não consegui manter uma conversa decente. Essa pessoa está riscada da lista de empréstimos. E um que sei que não vai voltar…
Tenho muito amor pelos livros, mesmo. E os trato com todo o respeito que merecem, afinal, eles me passam conhecimento e só pedem para serem lidos. Ah, e não preciso aumentar o número de lidos apenas para impressionar meia dúzia. Aliás, qual a vantagem?
Gosto de ler e saborear a história. Aproveitar cada momento.
Assim como No mundo dos livros, de José Mindlin (1914-2010) – que é outra obra de um leitor e grande colecionador sem firulas na linguagem, que deve estar numa grande biblioteca que é o Paraíso –, Fantasmas na biblioteca traz muitas sugestões de leituras. Fiz uma lista e logo procurei vários livros na Biblioteca Pública do Paraná. Até corri para emprestar A casa de papel, de Carlos María Domínguez, em que um homem com uma coleção invejável, de repente constrói uma casa com paredes de livros. Uma obra curta muito interessante – muitos desprezam obras curtas, no entanto nem todo livro de 104 páginas é ruim e nem todos com 400 páginas são bons por serem longos.
Uma obra bem curtinha é Dez mil – autobiografia de um livro, de Andrea Kerbaker, com 84 páginas. Ao ler acompanhamos a história pelos olhos de certo volume – não explica qual exatamente seu título e autor, mas fica ali, perto de Hemingway – e suas frustrações de não ser escolhido pelos leitores, de permanecer por muito tempo abandonado na prateleira. Alguns passam próximos à sua estante, outros o tiram de lá, mas às vezes o devolvem.
Bonnet, assim como José Mindlin, Umberto Eco e Alberto Manguel, é considerado um dos maiores especialistas em bibliofilia e teoria da literatura. É dele também o romance O emblema da amizade.
E Jacques Bonnet não despreza, não julga qualquer tipo de leitura, ao contrário, ele celebra a leitura e os leitores.