Resenha: A cultura importa, Roger Scruton
O ócio.
Somos inundados o tempo todo de estímulos, com vídeos, palavras, sons vazios. Não temos tempo para o ócio, precisamos de dopamina para não ter tempo para pensar, para criar.
“Aqueles que colecionam amigos por uma questão de utilidade não estão colecionando amigos: estão manipulando as pessoas”, página 74.
Conhecemos muitas pessoas assim, que acumulam “amigos úteis” e se utilizam deles quando precisam e os descartam. Não gostam deles de verdade, às vezes os desprezam, mas mantêm ali por perto até não terem mais utilidade. Isso vale para familiares também.

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Roger Scruton (1944-2020) também fala que ensinar conhecimento às pessoas não significa algo como troca, mas para perpetuar o conhecimento. Se termina naquela pessoa, o conhecimento morre.
O autor fala sobre diversos pontos que culminam na cultura. A importância de ler bons livros, ouvir boas músicas, consumir boa cultura. Comenta sobre a “cultura do repúdio”, que transforma tudo num vazio, numa degradação cultural. Essa “cultura do repúdio” se tornou muito presente nas universidades em todo o mundo (recomendo muito a leitura de A mente parasita, de Gad Saad), que, ao invés de criarem pensadores críticos, estão transformando as pessoas em meros repetidores de assuntos que eles mesmos, muitas vezes, não concordam, mas não ousam discordar.
Hoje temos a defesa ferrenha de “o importante é ler, não importa o quê”. Se essas leituras servirem para entrar no mundo dos livros, para se aprofundar nele, ela pode ser válida. Mas nós, leitores com um bom caminho percorrido, já podemos oferecer às pessoas interessadas em entrar nesse universo bons livros e evitar esse caminho tortuoso que todos trilhamos. O importante é não permanecer naquele discurso raso.
E por tudo isso, vou além do título: a boa cultura importa. Temos a decadência da cultura e a imposição dessa (in)cultura degradante. Além da literatura, a música, o cinema, a arquitetura e as artes em geral têm sido tratados como objeto de cadência cultural. Tudo é superficial, não há beleza, o questionamento é raso. Aliás, não devemos questionar o “artista”, devemos aceitar o pensamento dele por mais ridículo que seja, como um amontoado de cadeiras, ou um bloco de tijolos, ou, ainda, pessoas nuas sem qualquer motivo.
“Se a boa literatura tem um valor moral, então é certamente porque ela alimenta esse processo, ensinando-nos o que sentir em relação às ações, aos personagens e aos destinos dos nossos semelhantes. E, se a má literatura deve ser evitada, é também porque ela nos induz a sentir empatia onde a empatia é um equívoco”, página 83.
A boa cultura poderá morrer um dia, mesmo que tenhamos “museus, universidades e arquivos dedicados à manutenção das relíquias da nossa cultura. Mas isso não garante que essa cultura sobreviverá; pois, se sobrevive, se é que sobrevive, sobrevive em nós, nos observadores e usuários dessas coisas”, página 124.
E, junto com a degradação da cultura, vem a degradação do respeito. Vivemos na era do “meus direitos, seus deveres”. Quem não faz parte do grupo que grita mais alto não tem voz ou direitos, não tem espaço para falar, e aí chegamos na questão “cancelamento” de quem pensa diferente dos escandalosos manipulados.
Os adeptos da (in)cultura do cancelamento nada mais são do que pessoas que não têm conhecimento da vida, da sociedade e repetem o que alguém acima disse com um tom ainda mais alto (ou às vezes num sussurro). Não pensam por si mesmos. Gosto de chamá-los de “imaculados”, pois só pessoas imaculadas podem julgar os outros dessa forma, como se nunca tivessem feito nada na vida (bem, talvez nunca tenham mesmo).
Quando Scruton fala sobre a decadência da música no ocidente, penso se ele teve contato com a música pop brasileira (torço para que não, já sofremos o suficiente), pois teria se decepcionado ainda mais. Nós temos uma qualidade musical absurda e reconhecida no mundo todo, mas nos últimos anos a degradação musical, daquilo que é oferecido às massas, também tomou conta e está se espalhando pelo mundo (desculpem por isso) e quem reclamar é preconceituoso. Não há qualquer conversa profunda.
Essa frase de Goethe diz muito sobre nosso momento: “O declínio da literatura indica o declínio de uma nação”. Estamos seguindo ladeira abaixo, não apenas pela literatura (vide mais vendidos na Amazon), mas pela música e outras artes.
Terminei a leitura deste livro ouvindo Mozart. Queria ler no silêncio, mas os vizinhos resolveram ouvir a música ruim (já citada acima) num volume alto, atrapalhando o descanso da vizinhança no sábado que antecedeu a Páscoa.
A cultura importa (Editora LVM, 152 páginas, 2024) é um livro necessário para nos fazer pensar sobre todos os assuntos acima e muitos outros.
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Links úteis:
A cultura importa, Roger Scruton
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