Resenha: A Guerra das Salamandras, de Karel Capek
O livro A guerra das salamandras, do escritor tcheco Karel Capek, publicado em 1936, é uma obra gigante!
A guerra das salamandras inicia com a história de um capitão, Van Toch, que praticamente descobre um local onde ninguém da ilha australiana tem coragem de ir, pois dizem que lá mora o diabo. Teimoso, ele vai e descobre as salamandras, que são incomuns e com atitudes incomuns também, que começa a treinar e domesticar, mas como sempre, e com todos os animais, o ser humano quer benefícios, quer encher o bolso.
As salamandras então passam a ser atrações e, claro, a sofrer por isso, pois as condições de vida oferecidas são miseráveis.
A crítica a Hollywood que fala na orelha é sobre um grupo de amigos que vai à ilha e descobre os estranhos seres. Eles desejam filmar com as salamandras, mas acabam conseguindo uns minutos para fazer um show popular sensacionalista, como nos jornais vespertinos de hoje e nas redes sociais de “influenciadores” sem conteúdo nenhum. Consegui sentir o exagero, o “brilho” que irradia dos famosos e das notícias em excesso para acreditar ou desacreditar algo, manipulando para cada lado favorável.
Ler no livro a descrição de como as salamandras eram tratadas, de seu estado físico, me deixou um tanto mal, fiquei enojada com a capacidade (que não duvido) do ser humano (não escrevo Homem para não haver uma confusão, pois não é um lado (masculino ou feminino) e sim o todo culpado) em tentar (e conseguir) destruir vidas para o seu entretenimento e ganho.
“O animal se ergueu sobre as patas traseiras, sustentando-se com as dianteiras na borda da banheira. As guelras de seu pescoço se moviam convulsivamente e seu focinho negro tentava capturar oxigênio. Sua pele, inteiramente solta, era cheia de verrugas, e seus olhos, redondos como os de um sapo, eram cobertos, por alguns instantes, como se estivessem doloridos” (página 127).
Quando li na sinopse da orelha que se tratava de um livro que previu os horrores do Holocausto, fiquei ainda mais curiosa, pois é um assunto que me interessa. Mas já adianto que precisa ter estômago para ler as descrições sobre os experimentos com as salamandras e, automaticamente, fazer comparações com os experimentos realizados durante o nazismo.
Josef Mengele fez diversos experimentos monstruosos com pessoas nos campos de concentração nazistas. É o mais “conhecido” nesse quesito.
Há pouco tempo foi descoberto um álbum confeccionado com pele de prisioneiros. Há relatos de que uma mulher conhecida como Ilse Koch, a Bruxa de Buchenwald, tinha em sua casa diversos objetos confeccionados com essa “matéria prima”. Seu marido, Karl Otto Koch, era comandante de Buchenwald e acreditam que o álbum veio desse campo.¹
É chocante como podemos fazer essa comparação, como o autor usou de alegorias para criar a sua história e que tão logo se tornariam realidade com seres humanos por seres humanos. E com seres pensantes por seres pensantes.
A crítica à ganância do ser humano
Quando o Sr. Povondra, mordomo de G. H. Bondy – um homem que terá bastante importância na disseminação das salamandras pelo mundo – pensando em oferecer conhecimento ao filho o leva para conhecer as tais salamandras amestradas do capitão Van Toch, o homenzinho que está lá mostra apenas uma salamandra capenga (descrita acima na citação da página 127), então o Sr. Povondra não se anima muito e pede que mostre outra curiosidade ao garoto, o homem chama sua mulher e diz que ela já foi a mulher mais gorda do mundo. Ela “inclinou faceiramente a cabeça para o lado, adiantou uma perna e levantou a saia acima do joelho. Surgiu uma meia vermelha de lã que abrigava uma coisa parecida com um presunto”. Ao final, o pai, orgulhoso pergunta o que o menino aprendeu ali, e eis que, igualmente orgulhoso, o menino responde: “Aprendi […] Papai, por que aquela senhora usa meias vermelhas?” Genial, apenas isso: genial! As crianças são reflexos de seus pais.
A guerra das Salamandras (Válka s Mloky, Editora Record, 2011, 334 páginas) é um livro que, infelizmente, poucos conhecem no Brasil. Acabei me deparando com ele durante minhas pesquisas literárias sobre o autor. Karel Capek (1890-1938) difundiu o termo “robô”, foi o primeiro a usar na clássica peça de ficção científica R.U.R. (1920), há exatos 100 anos! Livro também quase desconhecido aqui. “Em tcheco a palavra ‘robota’ significa trabalho penoso ou trabalho forçado.”
Precisamos repensar nosso modo de agir, grandes autores do passado já nos avisavam e seguimos cegos pelo caminho errado mostrado em suas obras de tantos anos. Mas o ser humano é, e acredito que sempre será, a parte pensante, portanto, a parte ruim do mundo.
Nessa história, o ser humano tirou de seu habitat e agora precisa acabar com sua criação de salamandras. Há muitas e é claro que o caminho mais fácil é o extermínio.
É triste ver como tratam com horror esses seres que estavam no seu canto e foram retirados para dar lucro aos humanos.
Várias partes precisei parar, pois a violência empregada era real.
Sobre a citação do The Guardian na capa, “Uma leitura obrigatória e muito divertida”, concordo que é uma leitura obrigatória, é incrível!, precisa ser lido mesmo! Mas não tem nada de divertido. É triste, indignante, irônico.
Claro que surgirão religiões e partidos políticos (no caso, comunista) para se aproveitar e desvirtuar a questão das salamandras. É novamente uma alegoria para mostrar como eles agem para se aproveitar dos mais fracos usando belas palavras a fim de sujeitar às suas causas.
Também podemos ver a crítica à língua falada de forma errada. Hoje há uma discussão na internet para transformar as palavras, torná-las erradas, muitas vezes sem sentido, mas agradáveis a um grupo e não ao todo (como sempre). Bem, veremos isso também no livro 1984 (Editora Companhia das Letras, 416 páginas), de George Orwell, e sua Novafala, onde palavras são suprimidas e tornam o vocabulário bastante pobre.
“Somos todos culpados”, disse Povondra filho.
“Se pelo menos as salamandras não fossem tão terrivelmente medíocres.” Medíocre, essa palavra tão forte para se referir a algo ou alguém…
“Se fossem apenas as salamandras contra a humanidade, talvez não fosse tão difícil fazer alguma coisa. Mas homens contra homens… Não há quem possa deter isso…” Bem sabemos.
O livro foi traduzido diretamente do tcheco por Luis Carlos Cabral.
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¹ Sobre o álbum de pele humana: Superinteressante.
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